11.5.10


"Gosto muito desta mulher que olha para mim com serenidade, com uma câmara fotográfica na mão. Sou eu. Tenho cinquenta e dois anos. É na curvatura dos dedos que primeiro se nota a passagem do tempo. Quando estudava fotografia, o professor puxava-me os ossos da mão até os sentir estalar, dizia-me que os meus dedos eram demasiado rígidos para acompanhar a fluidez do mundo «Descontrai-te. Entrega-te. Aceita.»
Com a idade, os dedos vão ficando descarnados e sinuosos. Mais próximos do tempo. As manchas escorrem-me sobre a pele das mãos, alastram. Quando as pessoas me fazem mal ponho-me a olhar para essas ilhas castanhas que me conduzem para a terra dos meus mortos. Já ninguém me consegue fazer mal, mais uns aninhos e talvez nem possam fazer-me mossa.
(...)
Gosto desta mulher de olhos cinzentos cercados por olheiras roxas, cavadas. Gosto das sobrancelhas ralas desta mulher, das rugas que lhe reduzem a cor dos olhos a um traço de luz. Gosto das suas faces cavadas, do queixo demasiado agudo, os ossos quase à transparência da pele. Gosto desta boca lisa, sem cor nem volume. Gosto das dobras deste pescoço como de um mapa esborcinado depois de muitas viagens. Ninguém pode já fazer-lhe mal, ninguém pode já fazer-lhe mossa sobre o seu corpo excessivamente leve."

Sem comentários:

Enviar um comentário